terça-feira, 29 de maio de 2012

Em Aracruz, o aniversário do descaso

foto: Ricardo Medeiros
Luzia de Jesus Costa com a filha Rosana Pimenta, dona de casa que foi despejada de loteamento na Barra do Riacho, Aracruz, mora em uma casa alugada pela prefeitura em Barra do Riacho - Editoria: Economia - Foto: Ricardo Medeiros
Na casa provisória, dona Luzia tem de conviver com goteiras e falta de perspectiva
Abdo Filho afilho@redegazeta.com.br
"Nada é tão ruim que não possa piorar". A velha máxima encaixa-se perfeitamente à situação dos moradores do bairro Nova Esperança, em Barra do Riacho, Aracruz, Litoral Norte do Espírito Santo. A história é a seguinte: há exatamente um ano, a Polícia Militar, com alguma truculência, retirou 1,6 mil idosos, adultos e crianças, muitas por sinal, e pôs abaixo as 313 casas construídas irregularmente por eles num terreno da prefeitura. Sem ter para onde ir, as famílias juntaram os pertences e foram ou para a casa de parentes ou se amontoaram num ginásio de esportes próximo dali. A esperança estava na promessa de que em breve estariam morando num novo conjunto de casas, dessa vez regularizado e seguindo todas as regras preconizadas pelo programa de habitação do governo federal, o Minha Casa, Minha Vida.
Algumas semanas depois do despejo, a prefeitura começou a pagar um aluguel social aos desabrigados: R$ 300. Pouco para uma região supervalorizada, onde os valores beiram os R$ 1 mil mensais – o distrito de Barra do Riacho fica encravado entre grandes plantas e projetos industriais e portuários, como Fibria, Portocel, Nutripetro, Estaleiro Jurong Aracuz e outros. Diante dessa realidade, muitos optaram por ficar na casa de parentes. Os que estavam sem opção, caso dos que estavam amontoados no ginásio, partiram para o aluguel. O problema é que a maioria das casas disponíveis pelo valor do aluguel social não estão em boas condições e sequer oferecem o mínimo de conforto.
As fortes chuvas do início desta semana escancararam o problema. Água, lama e esgoto invadiram muitas residências. Algumas foram abandonadas. Para os muitos que insistem em permanecer ali, pela mais absoluta falta de opção, é bom que se diga, restou juntar o que não estragou com a chuva, retirar a sujeira trazida pela água e renovar as esperanças pela casa nova prometida pelas autoridades há exatos 365 dias.
Problemas e mais problemas Na casa provisória da família de dona Luzia de Jesus Costa, 57 anos, as goteiras não cessam desde domingo passado. "Do jeito que está não dá para continuar. Estou há um ano esperando pela minha casa nova, mas até agora nada. Tudo é muito demorado, vamos ver até quando aguentaremos isso". No dia do despejo, dona Luzia ainda convalescia de uma cirugia de retirada de útero. Se não fosse a ajuda dos conhecidos, seria obrigada a se recuperar no chão do ginásio. "É muito sofrimento".
foto: Ricardo Medeiros
Moradores que foram despejados de loteamento
A poucos metros de dona Luzia, vive dona Berenice Ribeiro, outra moradora de Nova Esperança que teve a casa posta no chão. A família de dona Berenice foi uma das que optou pela casa de parentes. "Moramos eu, meu esposo, minha filha e meu neto de um ano". Ela escapou do aluguel, mas não da chuva. "A casa encheu, estragou móveis, fogão, acordei dentro d’água e no meio da lama". Mesmo diante de tantos reveses, a esperança não morre. "Meu maior desejo é que as novas casas saiam logo, é por isso que eu rezo todos os dias, me agarro nessa esperança. Não podemos viver assim por muito tempo, quero sair daqui logo". A chuva veio agora, mas a vergonha se instalou faz tempo. Os donos de algumas casas reclamam o fato de não estarem recebendo o valor combinado com a prefeitura. "Um casal com uma criança morava aqui na minha casa desde o dia 25 de maio do ano passado, saíram porque a chuva estragou quase toda a mobília deles. O aluguel sempre atrasou, mas agora tem cinco meses que não recebo nada. Não posso ficar com um inquilino desses, tenho de ganhar meu dinheiro. Estou cansado de tanto correr atrás, vou na Justiça caso não receba até o fim deste mês", ameaça o aposentado Jovaci Alves, proprietário de uma das casas alugadas pela prefeitura, que nega qualquer tipo de atraso.
foto: Nestor Muller
Luzia de Jesus Costa com a filha Rosana Pimenta, dona de casa que foi despejada de loteamento na Barra do Riacho, Aracruz, mora em uma casa alugada pela prefeitura em Barra do Riacho - Editoria: Economia - Foto: Ricardo Medeiros
Há um ano, em um episódio agressivo, a Polícia Militar retirou 1,6 mil idosos, adultos e crianças de casas construídas de forma irregular em terreno da prefeitura


Imbróglio

Dez dias depois da retirada das 313 famílias de Nova Esperança, a Caixa Econômica Federal anunciou que financiaria a construção de 400 novas casas com recursos, algo perto de R$ 20 milhões, do Minha Casa, Minha Vida 2. As coisas pareciam que iam começar a andar. A expectativa era de que as obras começassem no segundo semestre do ano passado e de que ficassem prontas em 12 meses. Mas não foi o que aconteceu.
A Prefeitura de Aracruz fez a doação da área e lançou, em 27 de setembro de 2011, quando as obras já deveriam estar começando e quatro meses depois da desocupação, o edital para a contratação da empresa responsável pelas obras. Até aí um atraso, mas aceitável. O problema maior se deu no curso do processo. A Arpa Construções foi a vencedora do chamamento público. A Estrutural, empresa derrotada no certame, recorreu administrativamente e perdeu. Diante da derrota administrativa, partiu para a Justiça. No início deste mês, o juiz Thiago Vargas Cardoso, da Vara dos Feitos da Fazenda Pública de Aracruz, determinou a suspensão do processo.
Para evitar um atraso ainda maior, a Prefeitura de Aracruz está entrando com uma contestação para derrubar a liminar expedida pela Justiça. Sabendo do problema e da vontade política, tanto municipal como estadual, e do clamor popular de que o imbróglio se resolva, o juiz promete celeridade.
Na Caixa, a informação é de que os técnicos só esperam a definição da empresa para começar a fazer a sua parte. "Estamos aguardando por essa definição na Justiça. A partir do momento que tivermos uma empresa, começaremos com a nossa análise que deve durar uns 30 dias", explica o superintendente da Caixa no Estado, Antonio Carlos Ferreira.
Muita paciência Enquanto a burocracia não anda, resta aos moradores sofrer, esperar e reclamar. "Queremos falar com esse juiz que embargou a obra. A quem interessa manter esse sofrimento? Todas essas famílias não fazem outra coisa que não sofrer desde o dia 18 de maio do ano passado. É enchente, é morar de favor, é aluguel atrasado, queremos que essa obra comece, e logo. A burocracia não pode ser maior que a dignidade de 1,6 mil pessoas", assinala Herval Nogueira Júnior, presidente da ONG Amigos da Barra do Riacho.

foto: Ricardo Medeiros
Caixa anunciou que financiaria as novas casas. A espera continua até hoje
Ontem pela manhã, um grupo de manifestantes protestou em frente ao Palácio Anchieta, sede do governo do Estado. Além de pedir agilidade na construção das casas, eles querem a apuração das duas mortes que ocorreram durante a operação. "Nosso objetivo é cobrar do governador do Estado que ele faça a apuração dos responsáveis pelas duas mortes que ocorreram naquela operação truculenta da Polícia Militar que mostrou o despreparo dos policiais", ressaltou o líder comunitário Valdiney Tavares. Apesar do desejo, os manifestantes não falaram com o governador Renato Casagrande. De acordo com a assessoria do governo, os despejados não pediram audiência com o governador e nem com qualquer outro secretário.
Outros casos

O caso de Nova Esperança ficou conhecido por conta da truculência da polícia na retirada das famílias. Por estar sendo acompanhado de perto por autoridades e imprensa, a boa vontade deve ser maior e a burocracia deve andar mais rápido. É bom frisar, entretanto, que essa não é a única comunidade problemática da cidade. De uns anos para cá, os bolsões de miséria só fazem crescer no município.
Dados de 2009 do Instituto Jones dos Santos Neves, já mostravam Aracruz com o segundo maior déficit habitacional do Estado, atrás apenas de Vitória. Pelas contas do instituto, há três anos faltavam 1.432 unidades na cidade. No ano passado, a prefeitura já falava num déficit de 2,6 mil casas. Comunidades construídas por migrantes, quase sempre vindos de Estados do Nordeste, como a Portelinha, ajudam a engordar essas estatísticas. Os moradores dessas favelas não contam com serviços de água, luz ou esgoto.
Burocracia desumana
Despejo
18/05/2011
Em maio de 2011, a PM colocou abaixo 313 casas construídas irregularmente em Barra do Riacho. Quase um mês depois, 126 famílias continuavam morando num ginásio da cidade. Dias depois, a prefeitura começa a pagar um aluguel social de R$ 300, mas os moradores reclamam de atrasos e das condições dos imóveis alugados.
Novo conjunto
28/05/2011
Dez dias depois da retirada das famílias, a Caixa anuncia que financiará a obra. Quatro meses depois do anúncio da Caixa, a prefeitura lança um edital para a contratação da empresa que tocará a obra. As obras não comeram até hoje porque a construtora derrotada no certame entrou com uma ação na Justiça questionando o resultado.
FONTE:http://gazetaonline.globo.com/index.php?id=/_templates/mobile/agazeta/materia.php&cd_matia=1238956&xml=/_conteudo/2012/05/noticias/a_gazeta/economia/1238956.xml

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